quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

No útero do ano

O ano chega-se lento.
Vem de dentro do tempo, vem
Do bojo do vento
Tentando despir-se
De humanos excrementos.

Vem
Com um pássaro fosforescente
Banhado de verde luz,
Sobrevoando impassível o mar,
Sem saber-se verde,
Apenas misturado à fumaça
Branda das areias aladas;
Apenas esmerada ave
No seu deslabor diário.

Homens alheios ao pássaro e ao mar são maquiados
Pelo sulco de copiosas esperanças:
Querem um ano-dança
Sem lograr acompanhar os passos
Do coreógrafo e preterido mar
(Aguado de notas dançarinas
Feito serpentinas epilépticas a espumar).

Perto, numa casa,
Um menino arruma-se de dentes
Entre tantos inexatos e abrumados entes.
(Mais luzes faíscam no útero do ano.)
Acesas, novas
Luzes trabalham,
Quase fabris,
Sem direito a descanso
E a serviço dos homens.
Ao passo que a irmã luz verde
Antes comida pelo pássaro, come,
Tênue, a enseada pavimentada de mastros.

É tempo: galgo todas as horas
Não chegadas e sinto (por ir-
Racionalmente querer) no tempo ainda morto e fundo
O cinto da alma lançando-se
Ao sino da vida sedenta
Que entra entrando-me nas entranhas
Pelas pútridas e lúcidas ventas.

Ian Viana, 31 de dezembro de 2011

Um comentário:

  1. Velhinho... Muito bom Ian, parabéns, muito inspirado! Enquanto o lia viajava nas palavras boas sensações. :D Ubiratan Ribeiro.

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