sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Litígio

Sono:
revolta do corpo que se cansa
de tanta cabeça.
E a cabeça, por vingança,
inventa sonho e travesseiro e deixa
o corpo
– que é tudo e é pouco –
entregue ao quimérico repouso do esteio,
à mente de sotílego calabouço.

Ian Viana, 01 de junho de 2012

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Renomar

Não pretendo chegar a mar
mas quero o estrago, a serenidade e o marulhar eternos
dessa selva de prantos.
Quero estar em constante lavar, larvar:
abismo ígneo – maiúscula água,
músculo aéreo – eterno desterrar.

Quero frente, ficar;
sem precisar roupa nova,
riso penteado,
revisada a unha, o espelho,
prolixo o sapato.

Quero tudo estrangeiro, tudo
substrato e meio;
o estranhar-se perene desse rio desgrenhado
de coices e afagar.
Quero tudo quase mudo – mar-basalto;
quero surdo o riso, o insulto – cobalto
a ondular em sal nas paredes etéreas do meu quarto.

Ian Viana, 13 de junho de 2012

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Janeiro

Enquanto os cabelos do céu despenteavam-se:

O som senil do mar flertava
Com o tempo de pernas curtas
E convulsa música de sal sussurrava
Às esmeriladas artérias de sol fulvas.

Ian Viana, junho de 2012

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Sofizmarulho

Dia desses,
Feito lua túrgida
Me propus sofismar.
Mas malogrei:
Só fiz mar.

Ian Viana, 29 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 21 de março de 2012

O chão dos olhos

O chão dos olhos é
a não-superfície,
o lírio fundo;
é o desraso,
o ovário do mundo.

O chão dos olhos é
onde a imagem põe,
descalço,
o pé.

Ian Viana, 15 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Primeiro olhar

       (A Nize, como em muitos e tantos)

Quando alcancei o chão
no século dos teus olhos,
vi, já sentada,
a nossa casa.

Ian Viana, 05 de fevereiro de 2012

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Orgasmo ao revés

Tenho gosto por ejaculação
De idéias
E
Às vezes
      Gozo
Feito um desejetor dessas:

Tudo recolho à costura do âmago.

Pois
Nem sempre elas,
Essas idéias,
Traduzem espermas:
São,
        Por vezes,
Infecundas.
              Nausea-
        bundas.

Inconcessíveis cerdas. 

Ian Viana, 03 de novembro de 2011

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

No útero do ano

O ano chega-se lento.
Vem de dentro do tempo, vem
Do bojo do vento
Tentando despir-se
De humanos excrementos.

Vem
Com um pássaro fosforescente
Banhado de verde luz,
Sobrevoando impassível o mar,
Sem saber-se verde,
Apenas misturado à fumaça
Branda das areias aladas;
Apenas esmerada ave
No seu deslabor diário.

Homens alheios ao pássaro e ao mar são maquiados
Pelo sulco de copiosas esperanças:
Querem um ano-dança
Sem lograr acompanhar os passos
Do coreógrafo e preterido mar
(Aguado de notas dançarinas
Feito serpentinas epilépticas a espumar).

Perto, numa casa,
Um menino arruma-se de dentes
Entre tantos inexatos e abrumados entes.
(Mais luzes faíscam no útero do ano.)
Acesas, novas
Luzes trabalham,
Quase fabris,
Sem direito a descanso
E a serviço dos homens.
Ao passo que a irmã luz verde
Antes comida pelo pássaro, come,
Tênue, a enseada pavimentada de mastros.

É tempo: galgo todas as horas
Não chegadas e sinto (por ir-
Racionalmente querer) no tempo ainda morto e fundo
O cinto da alma lançando-se
Ao sino da vida sedenta
Que entra entrando-me nas entranhas
Pelas pútridas e lúcidas ventas.

Ian Viana, 31 de dezembro de 2011

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A composição das borboletas

As borboletas se amarram
Ao infindável do vento
E comem as cordas de sol
Que ressurgem em suas costas.

Que ressurgem como pétalas criadas
Por dedos que se esvoaçam
No canto dum bem-te-vi
Ou nas cores de qualquer infância grávida.

Ian Viana, 24 de janeiro de 2012

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Cílios

Os teus cílios me guardam,
assim como o café que vela,
numa grávida chávena,
as minhas madrugadas
de lide literária.

Ian Viana, 01 de outubro de 2011